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8 de nov. de 2010

A Última Viagem de Táxi

A Última Viagem de Táxi
(autoria desconhecida)

Houve um tempo em que eu ganhava a vida como motorista de táxi. Os passageiros embarcavam totalmente anônimos. E, às vezes, me contavam episódios de suas vidas, suas alegrias e suas tristezas.

Encontrei pessoas que me surpreenderam. Mas, NENHUMA como aquela da noite de 25 para 26 de julho do último ano em que trabalhei na praça.

Havia recebido já tarde da noite uma chamada vinda de um pequeno prédio de tijolinhos, em uma rua tranqüila, próximo do Largo da Ordem no São Francisco, centro histórico de Curitiba, capital do Paraná. Quando cheguei ouvia cachorros latindo longe. O prédio estava escuro, com exceção de uma única lâmpada acesa numa janela do térreo.

Nestas circunstâncias, outros teriam buzinado duas ou três vezes, esperariam só um pouco e, então, iriam embora. Mas, eu sabia que muitas pessoas dependiam de táxis como único meio de transporte a tal hora. A não ser, portanto, que a situação fosse claramente perigosa, eu sempre esperava.

"Este passageiro pode ser alguém que necessita de ajuda", pensei. Assim, fui até a porta e bati.

"Um minutinho", respondeu uma voz fraca e idosa.

Ouvi alguma coisa ser arrastada pelo chão... Depois de uma pausa longa, a porta abriu-se. Vi-me então diante de uma senhora bem idosa, pequenina e de frágil aparência. Usava um vestido estampado e um chapéu bizarro daqueles usados pelas senhoras idosas nos filmes da década de 40! E se equilibrava numa bengala, enquanto segurava com dificuldade uma pequena mala.

Dava para ver que a mobília estava toda coberta com lençóis. Não haviam relógios, roupas ou adornos sobre os móveis. Num canto jazia uma caixa aberta com fotografias e vidros.

A velha senhora, esboçando então um tímido sorriso de quem havia já perdido todos os dentes, pediu-me:

“O senhor poderia me ajudar com a mala?”

Eu peguei a mala e ajudei-a caminhar lentamente até o carro. E enquanto se acomodava ela ficou me agradecendo.

-"Não é nada, apenas procuro tratar meus passageiros do jeito que gostaria que tratassem minha velha mãe”.

-" Oh!, você é um bom rapaz!"

Quando embarcamos, deu-me um endereço e pediu:

-"O senhor poderia ir pelo centro da cidade?"

-" Este não é o trajeto mais curto", alertei-a prontamente.

-" Eu não me importo. Não estou com pressa. Meu destino é o último, o asilo dos velhos".

Surpreso, eu olhei pelo retrovisor.

Os olhos da velhinha brilhavam marejados.

-" Eu não tenho mais família e o médico me disse que tenho muito pouco tempo".

Disfarçadamente desliguei o taxímetro e perguntei:

-"Qual o caminho que a senhora deseja que eu tome?"

Nas horas seguintes nós dirigimos por toda a cidade. Ela mostrou-me o edifício na Barão do Cerro Azul em que havia, em certa ocasião, trabalhado como ascensorista.

Nós passamos pelas cercanias do Centro Cívico, em que ela e o esposo tinham vivido como recém-casados. E também pela Pérpetuo Soccoro no Alto da Glória, onde iam sempre e onde também comemoraram Bodas de Ouro.

Ela pediu-me que passasse em frente a uma loja na Dr. Muricy com a José Loureiro, que ela dizia ser um clube alemão, que tinha um grande salão de dança que ela freqüentara quando mocinha.

De vez em quando, pedia-me para dirigir vagarosamente em frente a um edifício ou esquina. Era quando ficava então com os olhos fixos na escuridão, sem dizer nada. E olhava, olhava e suspirava...

E assim rodamos a noite inteirinha. Passamos por parques, praças, restaurantes, tudo o que vinha vindo na imaginação da doce senhorinha.

Quando o primeiro raio de sol surgiu no horizonte, ela disse de repente:

"Estou cansada e pronta. Vamos agora!"

Seguimos, então, em silêncio, para o endereço que ela havia me dado. Chegamos a uma casa comum no bairro do Parolin, uma pequena casa de repouso. Duas atendentes caminharam até o taxi, assim que paramos. Eram amáveis e atentas e logo se acercaram da velha senhora, a quem pareciam esperar.

Eu abri o porta-malas do carro e levei a pequena valise até a porta. A senhora, já sentada em uma cadeira de rodas, perguntou-me então pelo custo da corrida.

-" Quanto lhe devo?", ela perguntou, pegando a bolsa.

-"Nada!", eu disse.

-" Você tem que ganhar a vida, meu jovem”

-" Há outros passageiros", respondi.

Mas ela insistiu, disse que não precisava mais de dinheiro, e colou 2.000 reais no meu bolso da camisa. Eu não quis aceitar, mas ela foi incisiva ao extremo, e quase sem pensar, curvei-me e dei-lhe um abraço. Ela me envolveu comovidamente e devolveu-me com um beijo afetuoso e repleto da mais pura e genuína gratidão e disse:

-"Você deu a mim, bons momentos de alegria, como não tinha há tanto tempo. Visitamos não só lugares, mas momentos que eu vivi. Só Deus é quem sabe o quanto você fez por mim. Obrigada, MEU AMIGO! Mil vezes obrigada.”

Apertei sua mão pela última vez e caminhei até o carro, na Brigadeiro Franco, onde ficava o asilo, e dirigi olhando o centro da cidade amanhecendo ao fundo e não conseguia parar de chorar, e pensar como vivemos e ao que damos valor, se daqui não levamos nada. Atrás de mim, uma moça fechava o portão, e eu avistava ela e outros velhinhos repousando em cadeiras.

Era como o som do término de uma vida...

Naquele dia não peguei mais passageiros. Fiquei sem rumo, parei na Av. Pres. Kennedy, perdido nos meus pensamentos. Mal podia falar.

Dois dias depois, tomei coragem e voltei no asilo para ver como estava a minha mais nova amiga e quem sabe passear com ela de novo. Me disseram, então, que na noite anterior, seu coração parou durante a noite, e ela adormecera para sempre, em paz e feliz.

E fiquei a pensar, se a velhinha tivesse pego um motorista mal-educado e raivoso... Ou, então, algum que estivesse ansioso para terminar seu turno.

Óh, Deus! E se eu houvesse recusado a corrida? Ou tivesse buzinado uma vez e ido embora?

Ao relembrar, creio que eu jamais tenha feito algo mais importante na minha vida até então.

Em geral nos condicionamos a pensar que nossas vidas são os objetivos e o futuro, mas ela gira em grandes momentos. Todavia, os GRANDES MOMENTOS freqüentemente nos pegam desprevenidos e ficam guardados em recantos que quase todo mundo considera sem importância, quando nos damos conta, já passou.

AS PESSOAS PODEM NÃO LEMBRAR EXATAMENTE O QUE VOCÊ FEZ, OU O QUE VOCÊ DISSE. MAS, ELAS SEMPRE LEMBRARÃO COMO VOCÊ AS FEZ SENTIR-SE. PORTANTO, VOCÊ PODE FAZER A DIFERENÇA. PENSE BEM NISTO.

E OUTRA....

OS IDOSOS DE HOJE, SOMOS NÓS AMANHÃ.

5 comentários:

Jackie Freitas disse...

Olá Glauco querido!
Já conhecia esse texto e ele é literalmente uma agradável viagem, não é?
Quando o leio fico sempre pensando que muitas vezes, o pouco que fazemos, não apenas a nós, mas aos outros, podem ser o melhor retrato a ser levado da vida.
Parabéns pela escolha de tão belo texto!
Grande beijo,
Jackie

Unknown disse...

Caro amigo o texto é memorável e nos leva a refletir sobre nossa condição de passageiros por esta vida tão curta.
Realmente podemos fazer a diferença, pequenos detalhes que as vezes podem transformar a vida de outras pessoas.
Abraços,
Vitor.

Denielly disse...

Glauco hoje é meu dia de chorar ...
Já derramei umas lágrimas num vídeo no dihitt e agora vc me fz amolecer novamente.
Que texto lindo!!!

Será que foi verdade?
Acredito que sim ... !!!

Parabéns pela postagem!!!

=D

Kassya Mendonça disse...

Glauco,
esta historia fez-me lembrar:
Meu ja estava acamado a mais de 2 anos, e neste intervalo a vida nos pregou uma de suas rasteiras, fazendo-o ficar mais abatido e triste, naquele dia eu e minha mãe o carregamos, coloquei no banco do passageiro carona(depois de doente sempre andava no banco de trás), e o levei para o salão de barbeiro de um amigo dele (ja fazia tempos que ele cortava o cabelo em casa, vi o rosto dele iluminado e um leve sorriso nos lábios; isto me fez muito feliz!

Lindo teu texto!

beijos

Telma disse...

Um texto comovente, sem dúvida nenhuma.
Bjs
Telma

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